segunda-feira, 28 de junho de 2010

Um Respiro

Moradora de uma pequena ilha do outro lado do Atlântico, ela era louca. Na verdade, era vista louca. Era vista dessa forma por aqueles que compartilhavam o mesmo espaço de vida que ela. Ela mesma não se achava assim. Achava-se intensa, se sentia intensidade e tinha dificuldade para se conter, fazer borda, se dar margens, limites. Por isso, sempre vazava. E vazar não lhe era permitido.

Aos vazamentos, o olhar inquisidor daqueles que a cercavam. Olhos de domesticar gente.

Louca por quê? Só porque escapava às margens? Que mal há em transpor as fronteiras daquilo que acordamos como "o certo"?

A loucura da qual os habitantes do pequeno vilarejo a acusavam era uma loucura moral: loucura daquele que não tem trato para falar, que não tem trato para agir. Loucura daquele que faz os outros sentirem vergonha dos atos-loucos, porque eles são intensos e incompreensíveis.

Ela não cabia em si mesma. Transbordava na busca da plenitude e da liberdade. Transbordava no seu encontro com a vida porque queria sentir ao máximo, dissolver a pele que a separava do mundo que habitava.

E a pele dissolvia no mar... Por isso ela se atirava nele. Ela se atirava com força e o mar arrancava-lhe a pele. Era assim que ela e o mar se tornavam uma coisa só. Os olhos fechados, o mar, ela, o horizonte. Ela era o próprio horizonte.

Angustiava-se quando pensava que podia ser contida, recolhida a pequenos atos. E o vilarejo inteiro pedia a ela que vivesse em pequenos atos, numa peça curta, objetiva e certeira.

Mas não, ela não aceitava. Ela queria ser grande obra, epopéia, odisséia, poesia. Queria ser dança, malabarismo, fuga.

Queria ser gente. Mas gente viva, com os poros abertos.

Gente à flor da pele. Com uma flor na pele. Gente-natureza.

Por isso, saia plantando flores em passos, atos, olhares. Desorganizava a norma e a conduta das pessoas de pequenos atos com sua grande obra, epopéia, odisséia, poesia. Bagunçava tudo com flores.

Entrava num embate para cravar flores na pele das pessoas e fazê-las dissolver. Dissolver para sentir. Sentir para, enfim, viver.