Moradora de uma pequena ilha do outro lado do Atlântico, ela era louca. Na verdade, era vista louca. Era vista dessa forma por aqueles que compartilhavam o mesmo espaço de vida que ela. Ela mesma não se achava assim. Achava-se intensa, se sentia intensidade e tinha dificuldade para se conter, fazer borda, se dar margens, limites. Por isso, sempre vazava. E vazar não lhe era permitido.
Aos vazamentos, o olhar inquisidor daqueles que a cercavam. Olhos de domesticar gente.
Louca por quê? Só porque escapava às margens? Que mal há em transpor as fronteiras daquilo que acordamos como "o certo"?
A loucura da qual os habitantes do pequeno vilarejo a acusavam era uma loucura moral: loucura daquele que não tem trato para falar, que não tem trato para agir. Loucura daquele que faz os outros sentirem vergonha dos atos-loucos, porque eles são intensos e incompreensíveis.
Ela não cabia em si mesma. Transbordava na busca da plenitude e da liberdade. Transbordava no seu encontro com a vida porque queria sentir ao máximo, dissolver a pele que a separava do mundo que habitava.
E a pele dissolvia no mar... Por isso ela se atirava nele. Ela se atirava com força e o mar arrancava-lhe a pele. Era assim que ela e o mar se tornavam uma coisa só. Os olhos fechados, o mar, ela, o horizonte. Ela era o próprio horizonte.
Angustiava-se quando pensava que podia ser contida, recolhida a pequenos atos. E o vilarejo inteiro pedia a ela que vivesse em pequenos atos, numa peça curta, objetiva e certeira.
Mas não, ela não aceitava. Ela queria ser grande obra, epopéia, odisséia, poesia. Queria ser dança, malabarismo, fuga.
Queria ser gente. Mas gente viva, com os poros abertos.
Gente à flor da pele. Com uma flor na pele. Gente-natureza.
Por isso, saia plantando flores em passos, atos, olhares. Desorganizava a norma e a conduta das pessoas de pequenos atos com sua grande obra, epopéia, odisséia, poesia. Bagunçava tudo com flores.
Entrava num embate para cravar flores na pele das pessoas e fazê-las dissolver. Dissolver para sentir. Sentir para, enfim, viver.