terça-feira, 23 de novembro de 2010

Às palavras que produzem morte, não se tem o que argumentar. O suicídio não é definido meramente pela bala na cabeça, ou pela corda no pescoço. Você pode estar produzindo morte - sua e daquilo que está em relação com você - com a própria fala.
Produção de morte no vivo, despotencialização da vida, circuito escravo. Chame como quiser: você é um morto andante, meu amigo.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Você

Você me chama para ir a sua casa tomar um café e conversar. Eu vou. Eu estou sofrendo, você sabe. E quer me ajudar. Mas eu estou tão fechada... Tão fechada ao toque, à acolhida, ao afago, ao saber parar.
Eu tenho pressa, tenho pressa e estou anestesiada dos sentidos. Corro numa demência não sei de que, não sei para onde. Caminho no caos silencioso, no desespero indomado, alto, ensurdecedor, mas surdo. Estou louca... Enlouquecendo com o caos que implode em mim, mas que ninguém vê, a não ser através de minhas vistas cansadas e vermelhas. Eu sangro por e para dentro.
Você está sentado no sofá comigo, me olha, me ouve, tenta me apaziguar no olhar. Fala coisas sobre minha doçura, pede que eu me mantenha firme e te telefone a qualquer hora, qualquer situação. Diz-me que não vou salvar ninguém, que peguei uma onda maior do que eu podia aguentar, diz que ninguém ensina ninguém a nada, muito menos a ser nada. Fala que preciso aprender a olhar o que uma pessoa faz, não o que ela fala. É o que ela faz que me diz quem ela é, segundo você. Eu te ouço e choro, choro muito, não sei o que fazer. Durante estes dias eu não soube o que fazer. Não queria ficar onde estava, mas também não queria seguir. O desespero do não-caminho me corroia. Doía ter que acordar todo dia. Para mim, essa era a pior parte da dor. Eu acordava e, antes que se contasse um segundo, a memória da dor desabava na minha cabeça, feito concreto, e eu queria não levantar. Eu queria não ter que olhar pela janela. A dor me pregava na cama, tal como um cristo.
Ali, você pedia para que eu deixasse você cuidar de mim: eu precisava aprender a ser cuidada, também. Parar de cuidar de tudo e, simplesmente, parar. Abrir-se para.
Eu olhava você, a sala, a luz, a TV. Eu estava tão imbecilmente anestesiada dos sentidos, tão alheia ao toque. Eu estava ali, com você, mas perseverava na deriva do ser-nada, no torpor da minha existência burra e esgotante.
Você estava expondo uma vontade: cuidar de mim. Naquele momento, eu pousei. Senti demência de mim mesma e vi se instalar ali, na distância que nos separava no sofá, um compromisso pesado, uma tentativa de pacto, de agarre. Vinculação maluca com cordão de ferro. O grito estourou: os sentidos romperam a barreira do silêncio anestesiado e a angústia do barulho me bateu. Todos os meus sentimentos gritavam sofridamente e eu tinha desespero. Preferia que eles calassem a boca, ou eu os mataria a tiros.
Não, eu não quero ser cuidada, não quero estar aqui. Quero ir embora agora, me deixar ir embora, abre a porta. Por favor, pare de insistir. Cada pedido seu é um buraco de bala a mais no meu corpo. Não quero criar laço com você, não quero laços com nada. Quero poder ir embora quando eu quero. Não quero o compromisso. Eu sou fuga, sempre. Eu não sou tão doce como você imagina. Sai, tira a mão, me solta e me deixa ir. Eu tenho repulsa ao pacto do cuidado e você se tornou presídio.

Nunca mais te vi.

sábado, 13 de novembro de 2010

Ponto.

Escrever é derramar-se
Eu me entorno nas linhas que escrevo

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Quando me descolo de mim

Quando estou caminhando, indo a algum lugar, em mim é o lugar em que não estou.
Nos meus passos, saio do centro e transbordo. Vazo para o meio e, assim, torno-me o encontro entre meus olhos e aquilo que eles veem, mesmo quando a vista é perdida, desfocada.
Eu não sou eu, mas também não sou meu entorno, o externo. Ocupo mesmo esse lugar que é o entre: uma dobra que se faz eu e fora e que, no movimento de tornar-se outra coisa a todo o momento, não fixa em nenhuma dessas formas.
Não sou meu pé (apesar de também o sê-lo), mas também não sou o chão (apesar de também o sê-lo): sou o ínfimo instante não mensurável que traduz a possibilidade de toque entre ambos. Mas, não sou o toque.
Mantenho-me fluante, mas presente. Sou estrutura aberta, corpo vazado. Habito em mim e em vários, mas, não colo em formas.
Estou o tempo inteiro me reconhecendo como eu e me fazendo outras.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Addendum

Olho a simplicidade de algumas pessoas na rua e me sinto um corpo de adendos. Preciso disso, preciso daquilo. Me orno com isso, me orno com aquilo. Somos o mundo pavão! Queremos tapar um buraco que cresce quanto mais o tapamos. A eterna falta! Agora, a falta do indizível, aquilo que ainda não foi inventado mas que, quando o for, terá preço. Preço!
Valor? Nenhum. Utilidade? Nem vou entrar nesse mérito...
Consumimos tanto e nos falta tanto que a falta já se instalou em nós. É gastrite, úlcera. Dor de fome que quanto mais se come, mais persiste como vontade de comer.
Somos corpos ausentes de si mesmos, pavões-autômatos andantes e nervosos. Não podemos ser tocados, para não destruir a ornamentação. Abraços? Só entre os iguais.
Meu Deus, riam, riam todos! Riam dessa deplorável condição humana. Somos homens-adendos que se pretendem completos. Completude de armário, garagem e conta bancária.

Agora riam de mim, por favor.
Preciso me livrar de mim mesma.