quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Você

Você me chama para ir a sua casa tomar um café e conversar. Eu vou. Eu estou sofrendo, você sabe. E quer me ajudar. Mas eu estou tão fechada... Tão fechada ao toque, à acolhida, ao afago, ao saber parar.
Eu tenho pressa, tenho pressa e estou anestesiada dos sentidos. Corro numa demência não sei de que, não sei para onde. Caminho no caos silencioso, no desespero indomado, alto, ensurdecedor, mas surdo. Estou louca... Enlouquecendo com o caos que implode em mim, mas que ninguém vê, a não ser através de minhas vistas cansadas e vermelhas. Eu sangro por e para dentro.
Você está sentado no sofá comigo, me olha, me ouve, tenta me apaziguar no olhar. Fala coisas sobre minha doçura, pede que eu me mantenha firme e te telefone a qualquer hora, qualquer situação. Diz-me que não vou salvar ninguém, que peguei uma onda maior do que eu podia aguentar, diz que ninguém ensina ninguém a nada, muito menos a ser nada. Fala que preciso aprender a olhar o que uma pessoa faz, não o que ela fala. É o que ela faz que me diz quem ela é, segundo você. Eu te ouço e choro, choro muito, não sei o que fazer. Durante estes dias eu não soube o que fazer. Não queria ficar onde estava, mas também não queria seguir. O desespero do não-caminho me corroia. Doía ter que acordar todo dia. Para mim, essa era a pior parte da dor. Eu acordava e, antes que se contasse um segundo, a memória da dor desabava na minha cabeça, feito concreto, e eu queria não levantar. Eu queria não ter que olhar pela janela. A dor me pregava na cama, tal como um cristo.
Ali, você pedia para que eu deixasse você cuidar de mim: eu precisava aprender a ser cuidada, também. Parar de cuidar de tudo e, simplesmente, parar. Abrir-se para.
Eu olhava você, a sala, a luz, a TV. Eu estava tão imbecilmente anestesiada dos sentidos, tão alheia ao toque. Eu estava ali, com você, mas perseverava na deriva do ser-nada, no torpor da minha existência burra e esgotante.
Você estava expondo uma vontade: cuidar de mim. Naquele momento, eu pousei. Senti demência de mim mesma e vi se instalar ali, na distância que nos separava no sofá, um compromisso pesado, uma tentativa de pacto, de agarre. Vinculação maluca com cordão de ferro. O grito estourou: os sentidos romperam a barreira do silêncio anestesiado e a angústia do barulho me bateu. Todos os meus sentimentos gritavam sofridamente e eu tinha desespero. Preferia que eles calassem a boca, ou eu os mataria a tiros.
Não, eu não quero ser cuidada, não quero estar aqui. Quero ir embora agora, me deixar ir embora, abre a porta. Por favor, pare de insistir. Cada pedido seu é um buraco de bala a mais no meu corpo. Não quero criar laço com você, não quero laços com nada. Quero poder ir embora quando eu quero. Não quero o compromisso. Eu sou fuga, sempre. Eu não sou tão doce como você imagina. Sai, tira a mão, me solta e me deixa ir. Eu tenho repulsa ao pacto do cuidado e você se tornou presídio.

Nunca mais te vi.

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