quarta-feira, 26 de maio de 2010

É a vida inteira.

Às vezes fico pensando se as pessoas pensam sobre o que seria a vida. Na verdade, penso se elas pensam sobre o que seria estar na vida. Pensar o que é a vida, hoje em dia, virou pura metafísica. E deixemos, pois, que da crítica à metafísica se ocupe Caeiro.
Falo sobre estar na vida. Eu não sei se isso soa estranho a vocês, como me soou quando pensei nisso pela primeira vez.
(Pela primeira vez com o corpo inteiro, gostaria de fazer esta ressalva, porque se engana aquele que acredita que só se pensa com a cabeça. A coisa bem pensada, mesmo, é pensada com o corpo inteiro. É sentida na pele, cravada nela. É indissociável dela).
Bom, estar na vida é um acontecimento.
Acontecimento.
Por favor, prestem atenção. Vocês conseguem sentir como bate em nós a dimensão da palavra, quando dita?
Estar na vida é um acontecimento. E o que isso implica? Somos seres no mundo, num mundo completamente esquizo, que se abre diante de nós enquanto uma infinidade de possíveis.
Apenas isso.
Mas, sendo isso, já é tudo.
Como, estando na vida, tendo sido literalmente inaugurado no mundo - na medida em que todo acontecimento/existência é único, singular -, não pensar acerca disso que são nossas ações de vida na vida? Viver enquanto autômatos? Será possível?
Por isso penso se de fato pensamos, nós, sobre o que é estar na vida. Porque acredito ser terrivelmente triste uma vida ausente de si mesma, vida esvaziada de si. E nem sei se o nome disso é vida. Estranha-me pensar sobre corpos, seres no mundo, que não pensam sobre si mesmos, sobre suas ações. Nem que seja para dar um sorriso de gratidão, apenas.
“Grato pelo acontecimento, Deus sive Natura”.
Penso, muitas vezes, que por viver uma vida vazia de si, talvez não consigamos experimentar a sensação da dimensão de estar aqui, de compor com alguma coisa, de constituir um território. Talvez não consigamos experimentar uma vida nua, colocada a nossa frente para ser apreciada crua, em seu aspecto mais frágil e voraz, mais vívido. Talvez vivamos pela metade, muitas vezes por acreditar que a vida é assim mesmo, “não sendo lá grande coisa”. Admitindo, a contragosto, que a possibilidade - que aqui eu entendo como viver consciente de si e do mundo - está colocada apenas para alguns.
Por favor, vamos nos incendiar a nós mesmos e uns aos outros. Produzamo-nos estranhamentos. Pensemo-nos a vida na vida.
Sejamos a própria estrela dançarina à qual aquele filósofo se refere.
Não me excluo desse processo que falo aqui. Estou misturada nisso tudo que escrevo. Sou autora e personagem dessa minha escrita. Mas, no meio de um infinito de possíveis, um acontecimento dentro do acontecimento maior que é a minha existência, inaugurou em mim esse pensar sobre estar na vida. Refiro-me à Psicologia e ao meu encontro com ela. Encontro na maioria das vezes difícil de ser traduzível à linguagem, sendo quase como um insubordinado a ela.
Esse encontro produziu e ainda produz, em mim, uma disrupção, que me faz pensar com o corpo inteiro, com meus poros.
Penso com imagens e a imagem que me vem à cabeça agora, para ilustrar isso que acabo de dizer, é a de uma pessoa sendo reanimada com um desfribilador. Essa é a disrupção que acontece em mim. Que me faz sentir a vida estando nela.
Não quero, tal como Álvaro de Campos, ser alguém que acredita conquistar o mundo antes de se levantar da cama, mas que, ao se levantar, percebe que esse mesmo mundo é opaco, alheio e imenso. Tão mais imenso que a minha imensidão. Não quero me contentar em apenas olhar a Tabacaria defronte. Quero ser a estrela dançarina e estar a serviço da vida. Quero sentar com aqueles que compõem junto comigo um território - essas pessoas, esses corpos, meus queridos amigos de estrada – e falar a respeito disso que tem me movido. Dessa sensação pensada, dessa pensação sentida, que é estar na vida. Que é tudo e nada.
E é. Pelo menos na minha loucura.
Vejam só... Eu padeço por pensar que devo incendiar corações a pensarem-se a vida.

Um comentário:

  1. Pergunto-me o porquê de vc não ter criado um blog antes.
    E aproveito para dizer que compartilhei de várias de suas linhas, vários de seus sentires.

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