segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Para não ficar à mercê dos acontecimentos

Não acreditar num Deus transcendental implica uma série de questões. Implica um posicionamento específico com relação à vida, por exemplo.
A vida não pode ser descolada dos seres que a compõem. Não existe "a vida", como algo separado de mim, independente. Pois entendo que ai também está colocada uma idéia de transcendência. A vida como algo que me transcende, ultrapassa, a qual eu não dou conta e está colocada naquilo que é exterior/superior a mim.
Ora, se eu não acredito em um Deus transcendente em virtude do aprisionamento que essa idéia produz, no plano de uma moral , a respeito do "bem" e do "mal", da disseminação da culpa e, sobretudo, da produção da morte no vivo, eu preciso fazer uma aposta semelhante em relação à vida.
A transcendência não se esgota na idéia de Deus.
Como eu posso não acreditar em um Deus transcendental e, ao mesmo tempo, desacreditar da vida? Como eu posso olhar para a vida como um "algo em si", aquilo que simplesmente acontece e do qual não faço parte? Como não acreditar em Deus e, ao mesmo tempo, falar que "a vida" é uma merda?
Meu caro, se a vida é uma merda, a merda somos nós, pois nós fazemos essa vida a todo tempo e momento. Logo, estamos construindo a merda do mundo nas nossas práticas cotidianas. Somos um bando de fascistas que negam O Transcendente - já que doutrinário, hipnotizador e produtor de engessamentos - mas, em contrapartida, não apostamos nossas fichas naquilo que nos é imanente. Somente "chutamos o pau da barraca". E, veja só, paramos por ai.
Vamos virar coveiros, então?
Vamos enterrar "a vida"? (O que implicaria nos enterrar a nós mesmos).
Já que a vida é uma merda e não há o que fazer, virar coveiro é a opção cabível.

Não acreditar na idéia de um Deus transcendente implica, dentre outras coisas, dar-se conta de si e do mundo e, principalmente, responsabilidade. Ambos sendo um exercício a todo o momento. Ou seja, trata-se de compreender (dar-se conta) que nós compomos a vida e são as nossas ações que podem (devem) produzir disrupções.
Produção de caminhos-outros, esse é o exercício constante.
E é um compromisso, afinal, estamos todos implicados. Não há como se eximir da parcela de responsabilidade que nos cabe pelo que colocamos para funcionar no mundo. Porém, pesa a idéia de que somos responsáveis por aquilo que atualizamos. Estamos sempre nos esquivando de tomar posse daquilo que produzimos: a culpa é sempre do outro ou "a vida" é assim mesmo (uma merda, diga-se de passagem). São essas as nossas justificativas. Nos acalmamos com falsas questões e falsas soluções.
Não acreditamos No Transcendental mas deixamos essa idéia escorregar para a vida, para nosso entendimento da mesma, a partir da nossa prática (presente no próprio discurso). E isso também produz aprisionamento, tal como ocorre quando se fala de uma moral religiosa.
Ficamos engessados, à mercê dos acontecimentos. Somos levados pelo fluxo.
E isso vem bem a calhar, pois, pensar novas formas e se deslocar do lugar que se ocupa requer certo esforço e isso causa dor de cabeça.
Fincamos nossos pés num território, no qual descansamos à sombra. Nesse lugar, nos cabe apenas sermos conformistas. E se for para ser algo mais além disso, sejamos revoltados.
E chutemos o pau da barraca, por favor!

O transcendentalismo está em nós. Pretensão nossa é o colocarmos ao encargo de Deus, apenas.

Não basta não acreditar em Deus. Afinal, você tira o poder de Deus e o coloca onde? Na potência de padecimento?

5 comentários:

  1. Coisa boa, mas, sinceramente, to com muito sono pra entender o texto na totalidade!
    Não ficou claro, pra mim, se você acredita em Deus ou não.
    Vou reler amanhã!

    "Deus Somos Tudo o que Somos, Tudo o que 'Havemos' e Tudo o que Fazemos."

    Deus "quer" experiência! E é por nós que ele pode acessar essa experiência.
    Na Unidade, tudo É.
    Só na dualidade há experiência! E por Deus "querer" a experiência, todas são proveitosas. Não há certo/errado, bem/mal, nem há culpa e pecado.
    "Pecado é fazer algo que não se está inclinado a fazer".
    Portanto, aproveitemos!

    O bom de chutar o pau da barraca é podermos recomeçar!

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  2. A questão central não é se eu acredito em Deus ou não (mas isso também pode ser colocado em questão).
    Trata-se mais de um convite a assumirmos nosso compromisso com aquilo que fazemos funcionar no mundo, a partir das nossas práticas.
    Escapar ao aprisionamento produzido pelo "moralismo" e pelo "Transcendente" não equivale a dizer que haverá mudança efetiva nas nossas práticas. Por isso não basta não acreditar em Deus.
    Estou falando a partir das discussões que fazemos no curso (vide aulas da Ângela Nobre).
    Mas, realmente, tá muito tarde. Amanhã a gente bate um papo tomando um cafezinho. :)

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  3. Então! É porque parecia que você estava se posicionando sobre sua fé.
    Eu que entendi errado então!
    Mas o compromisso deve ser assumido independente da fé e crença.
    Tirar o olhar da "intenção" e colocar sobre a "produção", para podermos analisar a "responsabilidade" em vez da "culpa"

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  4. escapar de ideias transcedentais é necessariamente afirmar a singularidade do momento, o potencial criativo do momento e dos encontros. A partir do momento que percebemos não há algo que transcende os seres e os tempos necessariamente estamos percebendo a possibilidade de afirmar movimentos singulares e revolucionários.
    Agora podemos ver se realmente conseguimos desapegar do transcendente e trair a tradição. Acho que não temos conseguido isso direito, porque é uma tarefa árdua que exige um "exercício permanente de despersonalização e abertura às micro-multiplicidades e intensidades que nos percorrem".

    Beijos Thalita.
    Gostei do texto

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  5. Exatamente, Tássio.
    É escapar aos rostos, às pessoalidades. Olhar para uma vida que é sem nome, atentando para as práticas que tem nos atravessado.

    Como disseram Deleuze e Gattari: "Por que preservamos nossos nomes? Por hábito, exclusivamente por hábito".

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